Palestra analisou como saberes técnicos trazidos pelos imigrantes redefiniram processos produtivos e a identidade econômica da região
A tradicional reunião-almoço (RA) da CIC Caxias do Sul desta segunda-feira (17) propôs olhar para o passado não como nostalgia, mas como ferramenta de leitura do presente. Convidada do encontro, a professora Vania Beatriz Merlotti Herédia, pós-doutora em História Econômica pela Universidade de Padova, recuperou a trajetória dos imigrantes italianos para explicar como a Serra Gaúcha se transformou, em poucas gerações, em um dos polos industriais mais dinâmicos do país.
Vania partiu dos conhecimentos trazidos pelos pioneiros não foram apenas transplantados para o Sul — foram reinterpretados e convertidos em soluções para uma realidade nova, adversa e isolada. “A produção de utensílios e equipamentos alterou a própria tradição pelas técnicas que utilizaram. Esses pioneiros foram projetores de diversas criações que promoveram a inovação em terras longínquas”, disse. Ela citou exemplos que, embora pareçam simples hoje, marcaram a transição da colônia agrícola para um ambiente pré-industrial. “Produziram alambiques, trilhadeiras, arreios, balanças, motores elétricos e engrenagens. Cada produto tinha um nome por detrás — um empreendedor, uma visionária, um trabalhador. Fizeram a história acontecer.”
A interpretação da professora foi além da narrativa tradicional da imigração. Na coletiva após a palestra, ela destacou que o impacto econômico não se explica apenas por esforço ou sacrifício, mas por uma conjunção rara: mão de obra semiqualificada, repertório técnico variado e capacidade de adaptação. “Trouxeram uma série de conhecimentos aplicados à nossa realidade. Quando comparamos a região com outras partes do país, vemos como aproveitaram a terra, como criaram negócios e como transformaram limitações em oportunidades”, observou.
Essa combinação — saber técnico, pragmatismo e senso de comunidade — ajudou a consolidar uma identidade que persiste, segundo Vania, mesmo num território já profundamente brasileiro. “As pessoas daqui se sentem meio italianas. Têm vínculo com a história, o sobrenome, a religião, a cultura”, afirmou. Essa identidade, porém, não é apenas simbólica: refletiu-se na formação de cadeias produtivas e na criação de indústrias familiares que, ao longo de décadas, se sofisticaram e se expandiram.
Outro ponto destacado foi a pluralidade de origens dentro do próprio contingente italiano. Embora o Vêneto tenha sido a principal região de saída, muitos imigrantes vieram também da Lombardia e do Piemonte — e essa diversidade se traduziu em competências distintas. “Alguns vieram da montanha, outros da planície. Havia quem dominasse a lã, outros o trigo. Cada grupo trouxe conhecimentos regionais que foram fundamentais para transformar essa região”, explicou.
Ao revisitar 150 anos de imigração, a professora sugeriu que o passado pode fornecer pistas para o futuro. Segundo ela, a mesma lógica que moveu aqueles pioneiros — a crença de que é possível transformar a realidade pelo trabalho qualificado e pela inovação — continua essencial em períodos de instabilidade econômica.