Caxiense fez justiça com as próprias mãos e pagou pena no Apanhador e Pics
Um homem não identificado, mas que preferiu ser chamado de ‘Jesus’, deixou a cadeia no último domingo (28), após ficar quatro anos recolhido na Penitenciária do Apanhador e também no Presídio Regional de Caxias do Sul, onde cumpriu pena após fazer justiça com as próprias mãos contra o homem que abusou sexualmente de sua filha.
O agora ex-detento, de 46 anos, conversou com a reportagem do Grupo Solaris na noite da última quarta-feira (30), pouco antes de deixar a cidade e partir Cascavel no Paraná.
Durante a conversa, Jesus, contou como conseguiu sobreviver durante o tempo que passou na cadeia, sem se envolver com drogas e se manter longe das facções que dominam os presídios da região.
Nos quatro anos em que foi prisioneiro, ele recebeu apenas uma visita na cadeia, e agora livre pretende ir para a cidade paranaense para encontrar a filha, de 16 anos e quem sabe reatar o relacionamento com a ex-mulher. “Eu acho que é ex, né…ninguém espera por alguém tanto tempo”, brinca.
Confira como foi o bate papo:
Como é a vida dentro do presídio?
A vida lá dentro é sofrida, é uma vida que pouco tu dorme por causa da tensão, entende? E muitas vezes o presídio da rebelião lá dentro tu é obrigado a encarar de frente junto com os outros porque quando dá esse tipo de movimento dentro da cadeira, se tu não se manifestar a favor dos presos, tu tá se manifestando a favor da Brigada Militar, daí então é uma tensão cara.
Conseguiu ficar quatro anos neutro lá dentro sem se envolver nisso e como é que foi?
Eu consegui me manter neutro porque eu ficava junto com o pessoal que são chamados que de ‘crente’. Tem a cela dos que tocam violão, cantam louvor e eu fui e fiquei meio que junto com eles. Então quem me via de fora pensava ‘Ah, o cara é crente, o cara tá ali tocando violão, cantando hino, deixa ele quieto’. Foi uma forma que eu achei de me manter assim. Entrar para nenhuma facção, mas tive que brigar lá dentro. Algumas vezes eu briguei lá dentro.
Você vendia pastel lá? Como é que foi a tua história?
Eu vendia pastel. Eu comecei vendendo pastel ali e vou te dizer, eu vendia no caderno pros caras. Era que nem o tráfico. Vendia no caderno e quando chegava o dinheiro dos caras a receber, eles me pagavam certo até então porque os caras das facções mesmo davam a ordem pra eles. O cara comprou pastel do cara, tu vai pagar meu. Se tu não pagar, nós vamos te… sabe? Porque eu já estava fazendo aquilo ali pra juntar um dinheirinho pra mim, pra poder me manter. Mas passou, né cara? Graças a Deus essa aí eu passei batido.
Tu foi liberado no último domingo, né? Essa é a tua última noite em Caxias. Tu vai pra onde depois?
Essa aqui é a minha última noite em Caxias e amanhã eu vou pro Paraná.
Tu conseguiu uma passagem pra lá?
Eu consegui com assistência social pelo serviço. Que tem aqui no [bairro] Cinquentenário, o Centro Pop Rua, centro de atendimento a morador de rua. Porque eu saí da cadeia e fiquei na rua, daí eu corri lá e pedi a passagem e como eu nunca tinha pegado passagem aqui eles me deram.
Bom, então agora tu volta pra casa, como é que vai ser refazer a vida que tu imagina a partir de agora, depois de quatro anos afastado?
Olha eu, sinceridade eu não estou sabendo bem nem pra onde começar. Mas uma coisa eu tenho certeza, dessa vez eu vou levar a Deus comigo. Eu nunca mais vou botar a mão no cabo de uma arma, por nenhum motivo.
Por que que tu foi preso?
Eu fui preso porque eu assassinei um cara com 14 facadas, porque ele abusou da minha filha. Eu perdi a cabeça e matei ele. Eu peguei quatro anos porque eu comecei a seguir ele, eu ia nos lugares onde ele ficava. Ele ia pra uma praça, eu ia procurar ele, então.
Isso foi lá no Paraná?
Foi lá no Paraná. Eu vim pagar aqui porque eu nasci aqui. Quando que tu comete um crime, tu pode estar em qualquer lugar. Tu vai pagar na tua cidade natal. Mas eu acho que acabo. Essa aqui é a minha última noite aqui. Eu quero ir, quero ver minha família e tudo, mas… Não sei, de uma noite pra um dia, muitas coisas podem mudar.
Tu não te envolveu com drogas, né? Como é que é também? Lá dentro tu tinha que ficar neutro. Aqui fora também, né?
Tu tem que ter um lugar e eu pelo menos usar alguma coisa pra poder… Ficar junto com uma galera de rua, tu tá tentando te manter neutro, né? Por isso que eu me mantenho sempre meio quieto, sozinho. E lá dentro, ou aqui fora, a mentalidade tem que ser a mesma. Tu não pode usar [drogas]. Pode fazer qualquer coisa, menos usar, porque daí tu perde o sentido da coisa.
Como tu conseguiu se manter longe das facções durante esse tempo que ficou na cadeia?
Na verdade, são divididos entre duas facções, os Mano da Serra e os Bala [na Cara] de Porto Alegre. No presídio do Apanhador. Tem o pavilhão C, que é dos “bala”, e o pavilhão B que é dos “mano”, eu fiquei no B, fiquei onde tava os “mano”, mas eu não fiquei na B porque eu disse ‘eu sou dos mano’. O cara me perguntou se eu queria ir na B ou na C, eu digo ‘não, pra B’. Só que depois que eu tava lá dentro foi feito uma reunião, pelas facções dentro do presídio chamado ‘a mesa de pedra’ que todo mundo se reúne ao redor da mesa de pedra e ali o chefe da coisa ali, o maioral da facção, ele decide quem entra, quem sai, quem vão matar lá fora, quanta droga vão levar pra outro lugar, entendeu, e numa dessa reunião eu fui convidado a participar e foi ali que eu disse que não aceitaria.
Mas eles aceitam de boa quando tu não quer?
Aceitam de boa, só não pode, né cara, tu dizer, tipo, tu não quer? Que é, mas não fala mal, entendeu? Eu cometi um crime, eu me arrependi, eu tenho lido a bíblia, eu tenho conhecido a palavra de Deus e eu gostaria de seguir por outro caminho. Quando eu falei em Deus, não tem facção pra Deus, entendeu? Os caras são bandidos, eles matam, eles picam, eles comem vivo, mas todos eles têm medo de Deus, entendeu? Então, quando eles viram que eu estava me envolvendo mais com os louvor, com o pessoal da cela 17, que são tudo crente, eles me deixaram quieto. Pelo contrário, me ajudaram, entendeu? Me deram roupa, me deram, me ajudaram a comprar as massas de pastel pra mim, pra mim começar a vender.