Leandro Segalla de Bittencourt, 51 anos, foi encontrado morto no aterro do Apanhador
“A confirmação nesta tarde da morte do Leandro era anunciada. Na verdade, já havia acontecido há bem mais tempo, não nos seus 51 anos de idade. O que aconteceu foi que Leandro definhou na nossa cara, personagem central de uma cidade que acumula, dia após dia, uma legião de gente doente, física e emocionalmente. E que encontra poucas saídas.
Nos acostumamos, em nosso ar condicionado de veículos muitas vezes com prestações atrasadas, a desviar o olhar de “Leandros da vida”. Faz mal, por isso nos afastamos. Inusitado que muitas vezes ele percorria, a esmo, os arredores de lugares sagrados. Mesmo assim não era visto. Invisível, por óbvio. E que ironia, foi achado morto num lixão com corpo esmagado.
Outra ironia. Leandro era neto de um dos maiores pensadores e artistas da história de Caxias do Sul, Bruno Segalla, amigão do meu pai e que morreu um jovem senhor, aos 78 anos – faria 100 anos em 2022. Acima de tudo, Bruno era um humanista, por filosofia de vida. Grande parte das esculturas dele representa ideias e sentidos relacionados a seu posicionamento humano. Em um documentário sobre sua história, meu pai foi taxativo: “Bruno Segalla era um homem doce”.
O neto Leandro – a não ser que provem o contrário, e não duvido quem busque isso, tudo é possível por aqui – era doce, incapaz de fazer o mal. Acho que foi traído pela vida, pelo destino. Quem atestará? Depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, demência, psicose? Quem tem coragem de enquadrar um ser humano na sua absoluta falta de cognição para a vida? Não à toa, o SUS e clínicas particulares estão entupidas de “gentes com problemas”.
E nem sempre o “problema” está na aparência, na barba mal cuidada, nos cabelos desgrenhados nos pés sujos e descalços, nas mãos cheias de calos. Nem sempre o problema é a fome.
Para onde iria o Leandro? Qual lugar mesmo? Se até a “Hospedagem Solidária”, uma solução paliativa para tirar pessoas das ruas no inverno, sofre tentativa de boicote. Por quê? Porque é no Centro. E quem passa pelo Centro desvia o olhar. Por isso, Leandro sempre foi um homem invisível, mesmo que familiares tentassem fazer algo por muito tempo, e sei bem parte desta história.
Que tua alma descanse em paz, Leandro Segalla Bitencourt, caxiense de papel passado, mas sem futuro.”
Texto; Daniel Corrêa