Apesar da venda de vinhos no Brasil estar batendo recordes, a família Trentin afirma não estar sentindo esse aumento no bolso
Mantendo a tradição dos antepassados, desde a imigração italiana, a família Trentin se dedica a cultura da uva em Otávio Rocha, distrito de Flores da Cunha (RS). Cada um com a sua tesoura, o pai Roque e o filho Sidnei (Sidi) podam os galhos ruins para dar espaço para a germinação da próxima safra. Como qualquer outra profissão, trabalhar com produção de uva tem altos e baixos.
“O negativo é o preço das coisas: o plástico, a estrutura metálica, os tubos de irrigação, o arame e o arco, tudo aumentou muito esse ano”, explica Sidi. Ele recorda que no ano anterior havia pago RS 11 por cada arco e este ano o mesmo item está sendo vendido por R$ 28 pra cima. E não para por aí, o saco do adubo também teve reajuste: “no ano passado eu pagava por volta de R$ 90, já esse ano eu tive que pagar R$ 189,00.
Não bastasse os aumentos para comprar equipamentos, os produtores são afetados ano a ano pelas incertezas na hora colher e entregar a uva para os cantineiros. “A uva é a única cultura que tu planta, vende e entrega a produção e tu não sabe o que vai receber, como tu vai receber, quanto tu vai receber e quando tu vai receber”, desabafa Sidi. Além disso, por ser um produto perecível, é necessário fazer a colheita, mas sem ter a certeza de que tudo será vendido.
Apesar dos obstáculos, para Roque Trentin, de 71 anos, muita coisa melhorou desde a época do seu avô, a começar pelo uso das máquinas, como tratores e caminhões. O agricultor recorda que no passado era utilizado uma carroça para fazer o transporte do vinho até a cidade vizinha de Caxias do Sul (RS). Não só a carroça foi substituída por veículos automotores, como também a tesoura de fazer a poda foi automatizada, passando a funcionar à bateria.
Faltando aproximadamente uma semana para terminar o processo da poda, pai e filho trabalham de sol a sol. O uso de maquinário facilita e permite que os dois deem conta dos trabalhos na propriedade. Roque relembra que, antigamente, sua família era composta por 15 pessoas morando na mesma residência e trabalhando juntos, entretanto, “com o tempo muitos filhos e netos foram estudar e foram morar na cidade”.
A cultura do milho e do trigo, e o trato com animais, foi deixado no passado. O menor número de pessoas para cuidar dos afazeres fez com que a família optasse por se concentrar somente no cultivo da uva. “Se tornou um negócio inviável” explica Sidi; “Não tinha sábado, domingo ou feriado. Era tirar o leite todos os dias e produzir o queijo”. Há cinco anos se desfizeram das vacas leiteiras.
Focados no plantio da uva Niágara rosa, a família compartilha da insatisfação de tantos outros produtores que viram a venda da uva e do vinho aumentar no Brasil, porém sem sentir os benefícios no próprio bolso.
Venda de vinhos no Brasil tem novo recorde histórico
De acordo com o relatório da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), o primeiro semestre de 2021 foi o melhor da história para as três categorias que o órgão divide o mercado: os vinhos finos com um aumento de 41,15%, espumantes brut subiram 52,03% e moscatéis 43,3%.
A venda do suco de uva também foi de superação, com 77,749 milhões de litros comercializados, uma alta de 3,56%. Esses números são comparados ao ano de 2020, que já havia sido ótimo ano para o setor.
O relatório da Uvibra leva em conta apenas os números de comercialização de produtos elaborados no Rio Grande do Sul, principal produtor brasileiro. O estado responde por cerca de 90% da fabricação nacional de vinhos. Aqui, cerca de 40% dos vinhedos já fica na Campanha Gaúcha, mas a concentração da produção ainda é na Serra.
Fotos: Igor Panzenhagen/Grupo Solaris