O resultado da cura veio 10 meses depois do diagnóstico
Quando o assunto é câncer de mama muito se fala a respeito de mulheres que se preocupam e fazem exames preventivos. Tem aquelas que, diagnosticadas com a doença, com determinação, não se deixam abalar e vencem a luta. Nesses dois extremos, no entanto, existe a convivência com esse diagnóstico.
Apesar de ninguém estar preparado para receber essa notícia impactante, ela não sentencia o fim das possibilidades, e quem passou por essa fase garante que há muito que aprender durante essa jornada.
Nessa reportagem contamos a história de Daiane Lovison Scotti, 35 anos que depois de diagnosticada com a doença, foi ao fundo do poço psicologicamente, se reergueu e venceu o câncer. Desde os 18 anos Daiane fazia ecografia a cada seis meses, pois tinha um cisto no seio que, depois de alguns anos se estabilizou.
Em 2018, com 32 anos, Dai, como é chamada, trabalhava de dia e a noite praticava esportes, jogava voleibol quase todos os dias. Era o mês de fevereiro quando começou a sentir uma dor estranha embaixo da costela, do lado direito. Achou que fosse uma dor muscular então resolveu parar de jogar por alguns dias. Só que a dor não passava.
Primeira providência, procurar um médico de plantão, solicitar requisição para fazer exame de Raio X e uma Eco mamária, para após procurar a doutora a qual fazia tratamento do cisto. Na época aparecia uma mancha, como se fosse uma cicatriz, mas não era isso.
Após análise dos exames, a doutora olhou pra mim e disse: “Dai, teu exame não deu nada bom e tu não escapa da quimioterapia”. A primeira pergunta que fiz foi se iria perder o cabelo, ela respondeu que sim –. Daiane comenta que a partir dessa resposta não absorveu mais nada do que a doutora falou, só chorava.
O que parecia ser uma cicatriz era um nódulo cancerígeno em formação em cima do cisto.
“É horrível receber um diagnóstico de câncer, difícil até descrever, é uma sensação de impotência, por mais que tu saiba que pode acontecer com qualquer pessoa, ninguém está livre. Eu sempre fiz exames, sempre me cuidei, fui ao médico, não esperava. Todo mundo que tem esse diagnóstico pensa por quê eu? achei que o câncer de mama aparecia somente em mulheres de mais idade ou mulheres que tem filhos, eu tinha 33”.
Outro desafio foi chegar em casa, não sabia como contar para a família. A primeira pessoa que Dai contou foi para a irmã, que lhe deu força e incentivo para fazer o tratamento. Depois contou para toda a família. “Você ter a família perto é um grande passo para te manter de pé”.
Nessa época Daiane mantinha uma amizade muito grande com o atual marido, Ricardo Tieppo Carra e, devido ao diagnostico, pediu a Ricardo que se afastasse. “Eu disse pra ele que era uma coisa que eu tinha que enfrentar. Não fui egoísta, pelo contrário, liberei ele para que vivesse a sua vida” . Mesmo com a decisão de Daiane, Ricardo optou em ficar junto dela naquele momento. Passava todos os dias pela casa de Dai para ver como ela estava, trocava os curativos dos seios, que foram retirados, conversavam e tomavam chimarrão. “Foi um caso de amizade que se intensificou com o diagnostico e virou amor que continua até hoje”.
Daiane teve que retirar também a mama esquerda, apesar de o tumor ter atingido a direita. Ocorre que a mama esquerda tinha um cisto calcificação, que iria se tornar um câncer mais adiante. “Era provável que quando eu encerra-se o tratamento do direito, o esquerdo iria me incomodar, então optei por tirar as duas” contou Dai.
Iniciado o tratamento, fez todas as quimios que precisou fazer, lembra que após 13 dias da primeira o cabelo começou a cair. “Eu não conseguia mais erguer a cabeça e me olhar no espelho, por mais que eu quisesse, por mais que eu tentasse, não erguia. Eu só consegui me olhar no espelho quando estava indo para a segunda químico, ai me olhei para arrumar o lenço e conversei comigo”.
A partir dessa conversa que teve com ela mesma, Dai relata que foi mais fácil enfrentar os seis meses restantes de tratamento. “Eu disse pra mim: Dai, você não é um cabelo, não é um corpo, você é uma pessoa, quem gosta de você gosta pelo que você é, então, se tu tem que passar por isso, passa fazendo a diferença. Você vai ter que enfrentar um dia de cada vez”.
Dai mudou completamente a maneira de encarar a doença, ao ponto de a doutora perguntar o que tinha acontecido. Daiane prontamente respondeu: “Conversei comigo mesma”. Além de perder todo o cabelo, ficou debilitada nos primeiros três meses, depois acabou aceitando o que veio e procurou fazer tudo o que lhe era pedido, tinha esperança de cura.
Essa mudança foi muito importante para ela, inclusive quando tinha alguém que iniciava o tratamento, a pedido da doutora, conversava com essas pessoas e mostrava que era possível enfrentar o câncer.
Daiane recomenda que as pessoas acometidas desse mal pensem da seguinte forma: “Por mais que esse diagnóstico seja terrível, e ele é, você consegue enfrentar, um dia de cada vez. Amanhã vai ser melhor do que foi hoje”.
Foram seis longos meses de tratamento, a boa notícia de que estava 100% curada veio somente em julho de 2019. Após a cura total Ricardo e Daiane iniciaram o namoro, hoje moram juntos e tem uma filha de um ano e seis meses.
Amamentação
A falta dos seios não foi o problema para a mamãe Dai, que afirma que dá pra criar sim sem o seio, é muito bom. As mães que tem mama dão ao filho, aquelas que não têm fazem a sua fórmula na mamadeira, elas amamentam também. “A gente amamenta com o coração. Deus foi muito bom comigo me dando essa filha. Se eu viver 100 anos agradecendo todos os dias não seria o suficiente”. Daiane engravidou tomando medicamentos que bloquearam seu ciclo menstrual e mesmo assim engravidou.
AAPC
Perguntada como a Associação de Apoio aos Portadores de Câncer (AAPC) entrou na sua vida, De imediato, Daiane abriu um sorriso, enxugou as lágrimas e disse: “Os integrantes da AAPC são pessoas que passaram por esse problema, eles são uns anjos. Ficaram sabendo que eu estava com câncer e vieram até mim ainda no início da doença”.
Em 2018 a presidente da associação era Ivone Betiato Benini, que ofereceu apoio integral para a paciente. “Eles vieram com tudo, me ofereceram carinho, amparo, auxilio profissional de psicólogos e ajuda de custo para as viagens a Caxias do Sul e compra de medicamentos”.
Daiane considera a AAPC muito importante para os pacientes com câncer na cidade de Antônio Prado. Para se manter antes da pandemia, a AAPC fazia jantares para arrecadação de verbas para prestar auxilio aos doentes, a dois anos isso não está ocorrendo.
A entidade aceita doações financeiras, também voluntárias que se disponham a ajudar qualquer pessoa, independente de sua classe social.
Com esse apoio recebido, Daiane tem certeza que foi muito mais fácil superar esse momento. “São pessoas muito humanas, pessoas que são seres de luz, estão ali vivendo contigo a tua dor. A Dona Ivone, o Itacir Pigozzo e a Gelcir, não quero citar mais pessoas para não esquecer ninguém, todos da associação são muito importantes”.
Daiane deixa a seguinte mensagem para quem for diagnosticado com o tumor: “Quem passa pelo câncer, é difícil, eu sei que é, mas vivam um dia de cada vez. Amanhã vai ser melhor que hoje. A tua dor hoje é grande? Sim, é bem grande. Tu não sabes o próximo exame se vai ser bom ou vai ser ruim. Cada vez que tem que fazer um exame fica apreensivo, com o coração na mão, até a chegada do diagnostico. Mas Deus é bom o tempo todo, ninguém pode esquecer isso, em qualquer situação que a gente viva, mantenha a fé”.
Acreditar, ter fé, força, não se entregar se olhar no espelho e dizer “eu aceito, vou passar por isso, eu faço a diferença para alguém”. Você com um sorriso, um lenço, uma peruca, as pessoas vão te olhar com estranheza, mas mostre para aquela pessoa que com um sorriso no rosto você enfrenta tudo mais fácil. Eu digo que o câncer é uma peneira. Pessoas que tu acha que estão super próximas a você, que tu acha que vão te estender a mão e te ajudar, elas aos poucos vão se afastando e pessoas que tu nem espera que cheguem até você, elas vem.
Em 2018 Daiane era mais uma das 59 mil vitimas de câncer de mama no Brasil, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer – INCA.
Ronei Marcilio com imagens cedidas por Daiane